Besouro (Ailton Carmo) foi o
maior capoeirista de todos os tempos. Um menino que -- ao se identificar com o
inseto que ao voar desafia as leis da física -- desafia ele mesmo as leis do
preconceito e da opressão. Passado no Recôncavo dos anos 20, Besouro é um filme
de aventura, paixão, misticismo e coragem. Uma história imortalizada por
gerações, que chega aos cinemas com ação e poesia no cenário deslumbrante do
Recôncavo Baiano.
Quando Manoel Henrique Pereira
nasceu, não havia nem dez anos que o Brasil tinha sido o último país do mundo a
libertar seus escravos.
Naqueles tempos pós-abolição
nossos negros continuavam tão alijados da sociedade que muitos deles ainda se
questionavam se a liberdade tinha sido, de fato, um bom negócio. Afinal, antes
de 1888 eles não eram cidadãos, mas tinham comida e casa para morar. Após a
abolição, criou-se um imenso contingente de brasileiros livres, porém
desempregados e sem-teto. A maioria sem preparo para trabalhar em outros
serviços além daqueles mesmos que já realizavam na época da escravatura. E quase
todos ainda sem a plena consciência de sua cidadania. O resultado desse quadro,
principalmente nas regiões rurais, onde estavam os engenhos de açúcar e
plantações de café, foi o surgimento de um grande contingente de negros libertos
que continuavam, mesmo anos após a abolição, submetendo-se aos abusos e
desmandos perpetrados por fazendeiros e senhores de engenho.
Assim era sociedade rural
brasileira de 1897, ano em que Manoel Henrique Pereira, filho dos ex-escravos
João Grosso e Maria Haifa, nasceu na cidade de Santo Amaro da Purificação, no
Recôncavo Baiano.
Vinte anos depois, Manoel já era
muito mais conhecido na cidade como Besouro Mangangá - ou Besouro Cordão de Ouro
-, um jovem forte e corajoso, que não sabia ler nem escrever, mas que jogava
capoeira como ninguém e não levava desaforo para casa. Como quase todos os
negros de Santo Amaro na época, vivia em função das fazendas da região,
trabalhando na roça de cana dos engenhos. Mas, ao contrário da maioria, ele não
tinha medo dos patrões. E foram justamente os atritos com seus empregadores - e
posteriormente com a polícia - que deixaram Besouro conhecido e começaram a
escrever a sua imortalidade na cultura negra brasileira.
Há poucos registros oficiais
sobre sua trajetória, mas é de se supor que a postura pouco subserviente do
capoeirista tenha sido interpretada pelas autoridades da época como uma
verdadeira subversão. Não por acaso, constam nas histórias sobre ele episódios
de brigas grandiosas com a polícia, nas quais ele sempre se saía melhor, mesmo
quando enfrentava as balas de peito aberto. Relatos de fugas espetaculares,
muitas vezes inexplicáveis, deram origem a seu principal apelido: Mangangá é uma
denominação regional para um tipo de besouro que produz uma dolorosa ferroada. O
capoeirista era, portanto, "aquele que batia e depois sumia". E sumia como?
Voando, diziam as pessoas...
Histórias como essas,
verdadeiras ou não, foram aos poucos construindo a fama de Besouro. Que se
tornou um mito - e um símbolo da luta pelo reconhecimento da cultura negra no
Brasil - nos anos que se sucederam à sua morte.
Morte que ocorreu, também, num
episódio cercado de controvérsias. Sabe-se que ele foi esfaqueado, após uma
briga com empregados de uma fazenda. Registros policiais de Santo Amaro indicam
que ele foi vítima de uma emboscada preparada pelo filho de um fazendeiro, de
quem era desafeto. Já a lenda reza que Besouro só morreu porque foi atingido por
uma faca de ticum, madeira nobre e dura, tida no universo das religiões
afro-brasileiras como a única capaz de matar um homem de "corpo
fechado".
E Besouro, o mito, certamente
era um desses.
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